terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Double Crossing

Double Crossing, ou da linha através do espelho, ou de como revelar o atravessamento.


Em Double Crossing, Gustavo von Ha apresenta duas séries de trabalhos que possuem como ponto comum a investigação sobre o atravessamento. Ela se dá por meio de crossfade, utilizado para pensar a relação com o processo de produção da imagem: a imagem/ espelho que produz uma espécie de fusão entre os “dois lados”. Nesta proposta de trabalho, ao ser retirado o instrumento utilizado para dar início ao processo, a fusão desaparece e, portanto, podemos pensar no sentido que a estratégia possibilita ao artista para materializar, na superfície do papel, a imagem que nasce daquela primeira que se ofereceu para a produção desta que, agora, passa a integrar o mundo. Um nascimento, ou melhor, um renascimento da imagem que, originariamente existe inserida no tempo e no espaço, mas que neste novo jogo proposto apresenta-se, ao olhar, com um novo corpo, com uma subversão de seu ponto de partida.

A escolha, pelo artista, dos universos referenciais – no recorte proposto para esta mostra – constituído de Tarsila do Amaral e Leonilson, pode ser lida de distintas formas, sejam as explicitadas por Gustavo Von Ha, sejam principalmente aquelas que se oferecem ao nosso olhar inquiridor e investigador, afinal o que são estes ‘desenhos copiados’ daqueles artistas já tão claramente identificáveis por sua produção, pelas características personalistas de suas imagens, por sua inserção na história da arte, em particular a brasileira? No que se constitui esse processo que, depois de aparentemente identificado, aponta para referências explícitas como a história da arte brasileira, investigações acerca do desenho e de suas potencialidades na arte contemporânea, ou ainda, questões que integram os procedimentos questionadores da produção contemporânea, como releitura, cópia, apropriação, inversão, espelhamento e outras possíveis leituras? E não seria ainda possível apontar o interesse, explícito, do artista por assuntos outros como a memória, noções de beleza ou o nonsense?

É preciso retomar, ainda, a idéia do espelho e, deste, como o lugar no qual a imagem não tem existência – em uma perspectiva física/ material – e se desvanece. Se o espelho como instrumental de pesquisa e de produção de imagens atravessa a história e as referências a ele são inúmeras, da mesma forma a pesquisa de Von Ha desenvolveu-se em torno de investigações desta natureza, ao longo destes anos de trabalho.

Para o artista, as imagens produzidas existem em seus suportes, a imagem primeira que dá origem, e a segunda, fruto do processo de produção a partir do espelho, mas ele é o lugar da passagem, do atravessamento, e não da existência, ou da permanência. Se a imagem se perfaz, e se realiza através do espelho, importa aqui ressaltar, também, que ela se dá por intermédio do espelho. Há, portanto que se fazer uma distinção clara entre os dois termos, uma vez que o processo pressupõe este jogo de duplicidade de sentido para eles.

Outra questão precisa ser apontada, mesmo que não respondida, ao menos aqui e de imediato, e ela é suficientemente relevante a ponto de merecer ser mencionada, ou melhor, de ser discutida no processo de análise das obras, seja em nossa leitura delas, ou no processo de elaboração das mesmas. Estou me referindo à assinatura, ou a uma possível forma de identificação dos desenhos. Por que assinar? Ou talvez ainda seja preciso perguntar como assinar?

Se o processo de elaboração das imagens partiu da pré-existência delas, se assumi-las, individualmente como imagem significa fundir todos seus elementos, incluindo aquilo que há de ‘assinatura’ no original, então como solucionar isto sem, também, atravessar o espelho, na busca da identidade do autor? Mas isto é mais um questionamento, dentre os propostos por Gustavo Von Ha, e para o qual teremos que nos lançar, diante dos desenhos para perscrutar as intenções, ou provocações que ele nos propõe e, talvez, quem sabe, nos convidando a atravessar o espelho.


Marcos Moraes

Professor, Crítico, Curador e diretor da FAAP - Artes Plásticas

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